Brasil: cresce o risco de trabalho escravo no corte ilegal de madeira e na construção

24 October 2017 08:24
 

Depois de notabilizar-se mundialmente como um dos poucos países que reconhece e combate práticas análogas à escravidão no trabalho, o Brasil vive um profundo retrocesso na matéria. Uma portaria governamental alterou as normas de inspeção do trabalho dificultando a caracterização e punição do empregador que mantem trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Até então, bastava o relatório do Inspetor do Trabalho atestando a existência de trabalho forçado, jornada exaustiva, condições degradantes de higiene, acomodação e trabalho ou restrição de locomoção por razões de dívida, usualmente acompanhado de farto registro fotográfico e provas testemunhais, incluindo a de policiais federais que integram as equipes de inspeção em perigosas e remotas zonas florestais.

A partir de agora, para que seja caraterizado o trabalho escravo tem que ser constatado, com evidencias documentais, a submissão do trabalhador sob ameaça de punição, com uso de coação e realizado de maneira involuntária. Ou seja, tem que haver clara restrição de liberdade de locomoção, como homens armados e cercas eletrificadas. Exigências irrelevantes, já que a verdadeira restrição é o isolamento na mata e a impossibilidade de locomoção segura na floresta.Normalmente, o trabalho escravo está associado a atividade ilegal e clandestina de desmatamento, corte e transporte de madeira não registrada e não certificada, muitas vezes contrabandeadas para outros países.

Outra medida abominável é que a publicação do nome da empresa na chamada “lista suja” das empresas infratoras já não estará a cargo dos inspetores do Ministério do Trabalho, mas dependerá da decisão política do próprio Ministro do Trabalho, autor da Portaria.

Já antes desta mudança as operações de inspeção no campo já haviam sido restritas pelo atual governo: baixaram de 106 ações em 2016 para apenas 30 no que vai do ano. Nos últimos 20 anos foram quase 50.000 trabalhadores.

A medida teve grande repercussão negativa e levantou uma grande oposição na sociedade brasileira. Inspetores do trabalho realizaram greves em 21 dos 27 estados brasileiros para repudiar a medida. Por outro lado, a OIT declarou que “o Brasil corre o risco de interromper a trajetória de sucesso que o tornou um modelo de liderança no combate ao trabalho escravo para a região e para o mundo.

Além de ser uma aberração contra os direitos humanos e do trabalho, a medida contribui para o desmatamento e o tráfico ilegal de madeira e para piorar as condições de trabalho na indústria da construção, onde vem crescendo a quantidade de trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão. Só em 2015 na construção civil foram 452."

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que no mundo haja perto de 21 milhões de pessoas trabalhando nestas condições. A Internacional de Trabalhadores da Construção e da Madeira (ICM) tem entre suas prioridades globais, a luta contra o corte ilegal de madeiras e o respeito aos direitos humanos e fundamentais no trabalho.

A ICM estuda realizar uma campanha global contra o governo brasileiro exigindo a revogação dessa Portaria.